Os mercados brasileiros devem experimentar momentos de alta volatilidade durante o mês de setembro, divididos entre as tensões políticas e o risco fiscal no cenário doméstico, e o clima mais otimista no exterior, após o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) reafirmar que os Estados Unidos ainda não caminham para um ciclo de alta dos juros.

No cenário político, destacam-se a discussão acerca do parcelamento dos precatórios – dívidas da União oriundas de processos judiciais -, e a proposta de aumento do valor e do número de beneficiários do Bolsa Família, que passaria a se chamar Auxílio Brasil. Além disso, o mês começa com a promessa de grandes manifestações favoráveis e contrárias ao governo do presidente Jair Bolsonaro, marcadas para o dia 7 de Setembro, feriado que celebra a Independência do Brasil.

Outros fatores que merecem ser acompanhados de perto no período são os desdobramentos da crise hídrica, os indicadores de inflação, a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 21 e 22 deste mês, além do avanço da vacinação contra a Covid-19.

Bolsa de valores

A maioria das projeções para o Ibovespa em setembro está ligeiramente pessimista, ainda de olho nas turbulências domésticas, que tornam mais difícil fazer uma análise clara dos mercados no Brasil.

Para Alexandre Lohmann, economista da Constância Investimentos, o Ibovespa deve fechar o mês no vermelho, pressionado pela alta das expectativas de inflação em 2021 e também no ano seguinte. Lohmann diz também que o mercado seguirá atento ao risco de apagões e racionamento de energia devido à crise hídrica, que deve ter “um impacto devastador na retomada da economia”.

Além disso, em linha com a perspectiva mais pessimista para a Bolsa neste ano e de olho no aumento do custo da energia elétrica e dos juros, o time de research da XP Investimentos reduziu seu “preço-alvo” para o Ibovespa ao fim deste ano, de 145 mil pontos para 135 mil pontos.

Instabilidade política

O Brasil vive um clima de forte instabilidade política nos últimos meses, agravado pela crise institucional criada pelos embates entre Bolsonaro e os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nós temos um teste muito importante agora no dia 7 de setembro, que é como serão as manifestações, e ainda como o presidente irá se portar após essas manifestações. O mercado está adotando uma postura mais defensiva com relação a isso”, diz Flávio Conde, analista da Levante Investimentos.

João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos, observa que a discussão eleitoral de 2022 deve se intensificar em setembro, ampliando o grau de incerteza da economia brasileira. Leal também avalia que a instabilidade política e a preocupação com a situação das contas públicas podem trazer mais pressão sobre a curva de juros e sobre o câmbio.

No Congresso, a sensação de indecisão acerca de temas urgentes, como a questão dos precatórios e a reforma do imposto de renda, gera preocupação e mina a confiança dos investidores com relação à situação fiscal do Brasil. João Leal acredita que existe a possibilidade de que a reforma do IR perca força, podendo ser abandonada em uma das casas.

Risco fiscal

Mesmo com a melhora na situação fiscal brasileira, a saúde das contas públicas segue preocupante. “A relação dívida-PIB está em queda neste ano mais por circunstâncias estatísticas, como a correção do PIB acima da inflação, do que por ações do governo para conter a expansão dos gastos”, comenta Geraldo Mellone Junior, analista da Bresser Asset Management.

Já Flávio Conde avalia que os resultados do governo devem continuar surpreendendo positivamente no curto prazo, mas chama a atenção para os riscos no médio e no longo prazo. “A perspectiva para 2022 é a que é colocada em xeque a toda hora, porque o presidente Bolsonaro quer ser reeleito e quer saber quanto ele tem de folga para gastar. […] Já em 2023, a possível eleição do Lula é negativa para o fiscal, já que, dentre outras coisas, ele já declarou que irá acabar com o teto de gastos e que vai reestatizar a Eletrobras.”

A equipe da gestora Chess Capital, por sua vez, acredita que o risco fiscal tende a arrefecer conforme se resolvem os impasses que vem sendo discutidos no Congresso, e acredita que é possível que o déficit primário deste ano seja bem melhor que a meta.

Crise hídrica e inflação

Para Geraldo Mellone Junior, setembro será um “mês chave” com relação à crise hídrica, uma vez que nesse período devem ser definidas as ações que serão tomadas para evitar o colapso do sistema elétrico. O analista comenta que os reservatórios do Sistema Sudeste-Centro Oeste estão com 22,3% da sua capacidade máxima, sendo que o ideal é que este nível fique acima de 10% até o início do período chuvoso para que não existam riscos no fornecimento de energia. 

Luis Sales, estrategista-chefe da Guide Investimentos, avalia que o aumento das tarifas de energia elétrica, na tentativa de reduzir o consumo e evitar racionamentos, deve trazer uma maior pressão inflacionária. Esse cenário é preocupante, uma vez que as projeções para a inflação em 2021 já se encontram bem acima do teto da meta, ao mesmo tempo que o ciclo de alta da taxa Selic tem se mostrado insuficiente para conter a subida dos preços. 

Com a alta da inflação, investidores começam a questionar se uma nova elevação da Selic em 1 ponto percentual seria suficiente para desacelerar a alta de preços, ou se o Banco Central deveria adotar uma postura mais agressiva já na reunião deste mês.

Cenário internacional

Após a fala de Jerome Powell, presidente do Fed, em Jackson Hole, reafirmando que ainda não é o momento para iniciar um ciclo de alta dos juros nos Estados Unidos, uma vez que o país ainda se encontra distante de bater a meta de geração de empregos perdidos durante a pandemia, o dólar passou a recuar frente pares emergentes, dentre os quais o real. Powell disse ainda não estar preocupado com a inflação nos EUA, e disse mais uma vez que acredita se tratar de um fenômeno temporário. Na Europa, investidores seguem atentos agora aos próximos passos do Banco Central Europeu (BCE), que deve definir como se dará a retirada gradual de estímulos.

Fernanda Melo, sócia da HCI Invest, observa que a Ásia continua atrasada no processo de imunização da população contra o coronavírus, e afirma que esse atraso pode representar um risco para toda a economia mundial em meio à retomada. Por outro lado, Melo observa que a China vem adotando medidas para alavancar o crescimento do PIB, o que deve ser positivo para a economia do continente. 

Por João Marinho. 


*Este conteúdo foi produzido pela Equipe do Mercado News. A sua publicação na Levante Advice é fruto de uma parceria entre os dois portais.

COMPARTILHE ESTE ARTIGO
Compartilhe Compartilhe Compartilhe Compartilhe