Com a perspectiva de que a taxa Selic deva encerrar o ano em um patamar acima do chamado “juro neutro”, analistas começam a revisar suas projeções para os mercados brasileiros, buscando compreender quais os setores que devem se beneficiar desse cenário de juro básico mais alto.

O Comitê de Política Monetária (Copom) confirmou as projeções do mercado e elevou a Selic em 1 ponto percentual na última quarta-feira (4), de 4,25% para 5,25% ao ano. Entretanto, o comunicado emitido após a reunião chamou a atenção, já que o Banco Central (BC) sinalizou “ser apropriado um ciclo de elevação da taxa de juros para patamar acima do neutro”, o que significa que a taxa de juros pode atingir patamares que desacelerem a atividade econômica.

Essa postura mais agressiva por parte do Copom vem em resposta à alta da inflação, quando as estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2021 chegam a 6,79%, muito acima do teto da meta, de 5,25%. Nesse contexto, o Banco Central se encontra diante de um “trade off” difícil, que consiste em abrir mão de uma taxa de juros mais baixa que viabilize uma recuperação mais rápida da economia para não permitir que a inflação saia de controle.

Na visão de Paloma Brum, economista e analista de investimentos na Toro Investimentos, “o Copom está relativamente atrasado (ou seja, está atrás da curva) para manter a inflação sob controle no País e, por isso, precisa realizar uma normalização mais acelerada da Selic, o que já começou após a última reunião e deve se estender nas próximas decisões, fazendo com que a Selic suba para um patamar próximo de 8%”.

Sendo assim, o Mercado News consultou analistas, economistas e casas de investimento para compreender como esse fenômeno afeta as principais modalidades de investimentos.

Bolsa de valores

Apesar da alta de juros tornar os investimentos em renda fixa mais atraentes, o mercado de ações segue aquecido em meio à reabertura econômica com o avanço da vacinação contra a Covid-19, contando ainda com os preços mais altos de commodities para impulsionar os lucros de grandes companhias dos setores de mineração, siderurgia, celulose e petróleo e gás.

Felipe Nascimento, economista-chefe da InvestSmart, observa que o Ibovespa tem maior correlação com os juros futuros longos do que com a taxa Selic de curto prazo, e destaca que, como os juros longos estabilizaram nos últimos 3 meses, pode haver um benefício ao apetite de risco pelo mercado. Por outro lado, o economista avalia que a elevação da taxa básica de juros a um patamar superior ao neutro pode afetar a criação de postos de trabalho no Brasil a partir do primeiro trimestre de 2022, um problema que merece atenção especial quando levamos em consideração a alta taxa de desemprego no País, atualmente em 14,6%.

Na análise de Nascimento, caso o cenário de juros acima de 7% se concretize, “os setores financeiros e de seguradoras, que fecharam o mês de julho no vermelho (-3,93%), tendem a se beneficiar, já que a alta nos juros eleva também as taxas de empréstimos e aplicações asseguradas atreladas à Selic. Já setores como consumo varejista e imobiliário podem experimentar momentos de reprecificação negativa”. A perspectiva mais pessimista para o varejo e o setor da construção civil se deve ao fato de que juros mais altos implicam em custos mais elevados para o crédito, reduzindo a oferta de empréstimos e financiamentos.

Luciana Ikedo, assessora de investimentos e especialista em finanças, chama a atenção para o impacto da alta da Selic sobre o endividamento das empresas. Segundo a especialista, “quando falamos de empresas que estão altamente endividadas, com dívidas atreladas ao indexador, ao CDI, as dívidas pós-fixadas, essas são as que terão um maior custo financeiro que se na outra ponta, a de entrada de receitas, não estiver equilibrada, elas podem ter o resultado afetado por esse tipo de movimento”. Ainda assim, Ikedo enxerga que ainda existem muitas ações que são consideradas baratas e que ainda podem ter um valor interessante de upside.

Fundos imobiliários

Na análise de Felipe Solzki, sócio e gestor de fundos imobiliários da Galapagos Capital, mais importante do que a velocidade da alta da Selic, é o patamar final esperado para os juros no País. Isso porque quanto mais altos os juros, mais atraentes se tornam as opções de renda fixa em comparação com os fundos imobiliários.

Com isso, Solzki acredita que devemos continuar enxergando um “mercado difícil” para os FIIs de tijolo no curto prazo, especialmente para aqueles que oferecem um “dividend yield” (rendimento do dividendo) mais baixo e que, ao mesmo tempo, não trazem perspectivas tão boas de ajustes no curto prazo, como reajustes de contratos de locação pela inflação ou diminuição da vacância.

Por outro lado, o gestor avalia que o segmento de fundos de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) tende a se beneficiar de juros mais altos, tanto devido à elevação da taxa de Depósito Interfinanceiro (DI), quanto pela alta da inflação, já que os fundos de CRI têm mais facilidade para repassar a alta da inflação para seus contratos, ao contrário dos fundos de tijolo, que costumam fazer esse repasse anualmente nos reajustes de contratos.

Renda fixa

A renda fixa, de maneira geral, tende a se beneficiar de uma Selic acima do patamar neutro. Luciana Ikedo avalia que a maioria dos ativos de renda fixa podem ser considerados livres de risco, como é o caso dos títulos públicos negociados no Tesouro Direto, dos títulos cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), como Certificados de Depósito Bancário (CDB), dentre outros.

Em meio à insegurança trazida pelo cenário político conturbado e pela situação fiscal delicada do país, os ativos de renda fixa surgem como opções interessantes para os investidores que desejam fazer um “hedge”, ou estratégia de proteção da carteira, com parte de seu patrimônio.


*Este conteúdo foi produzido pela Equipe do Mercado News. A sua publicação na Levante Advice é fruto de uma parceria entre os dois portais.

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